o paradoxo da comida moderna

hoje, venho falar de algo diferente. lidamos com este dilema diariamente e nem nos apercebemos das suas verdadeiras implicações. a evolução que sofremos afastou-nos muito do nosso passado animal e somos hoje um ser sofisticado, capaz de se preocupar mais com futilidades do que com sobrevivência. não é uma crítica, mas antes uma exclamação!


quando observamos qualquer outro ser vivo que partilha este mundo connosco, reparamos em 2 comportamentos essenciais e que nos são altamente familiares: sobrevivência do indivíduo singular e sobrevivência do indivíduo colectivo. primeiro, há que garantir a integridade do próprio e, depois, salvaguardar o legado da espécie.


o que quero dizer com isto tudo é, na sua essência, bastante simples. primeiro, preocupamo-nos com o nosso bem estar e, com isso garantido, queremos assegurar a continuidade da nossa espécie através da reprodução. é claro que é sempre preferível que as gerações vindouras sejam fruto do melhor que a geração presente tem para oferecer. uma vez que cada indivíduo é altamente egocêntrico, ele e só ele é o expoente máximo da sociedade em que se insere.


de volta ao caso do homo sapiens. na sociedade ocidental, considerada moderna e tecnologicamente sofisticada, parece ter ocorrido uma inversão de prioridades. cada vez mais interessa a reprodução acima da sobrevivência singular. penso que somos mesmo obcecados com a procura constante e incessante de um companheiro sexual, sacrificando muitas vezes o próprio bem estar físico e psicológico.


a contrariar essa tendência destructiva, que só leva à disseminação do pior que a nossa geração tem para oferecer, surgem as comidas altamente calóricas. são rápidas, económicas, com disponibilidade imediata, estranhamente apetitosas e altamente viciantes. parecem ser a resposta perfeita ao indivíduo moderno que não tem tempo a perder antes do próximo encontro!


ao bom jeito do karma ou, como eu prefiro, da terceira lei de Newton: qualquer acção implica uma reacção igual e oposta. as leis da física são universais, portanto, faz todo o sentido que se apliquem a tudo no universo, inclusive ao comportamento humano. assim, a bom jeito de resposta às comidas altamente calóricas, surgem as comidas altamente dietéticas. isto é, a existência de um produto alimentar com uma elevada densidade de energia provoca o surgimento de um outro produto alimentar com uma baixa densidade de energia.


basta pensar que, actualmente, praticamente todas as marcas disponibilizam uma versão light da sua linha comercial principal. geralmente, e isto é um dos conceitos chave deste pequeno artigo, essa versão light oferece menos do que a versão original por um preço superior. é um pouco paradoxal, não é? acho que já é possível perceber onde quero chegar com isto tudo, mas permitam-me continuar. a verdade é que light significa mais leve e, com toda a razão, uma menor densidade energética. é claro que essa redução implica um custo adicional ao fabrico, uma vez que requer um refinamento avançado, e esse custo reflectir-se-á no consumidor final.


isto estaria tudo bem e equilibrado, em teoria, pois há bastante oferta de ambas as versões e cada um escolhe a mais conveniente para si. temos de jogar entre mais calorias por um preço inferior ou, se a nossa carteira o permitir, menos calorias por um preço superior. comer menos? fora de questão! as pessoas gostam de comer, claro. a evolução presenteou-nos com papilas gustativas por duas razões: primeiro, porque os alimentos venenosos sabem mal e segundo, porque uma actividade que nos dê prazer será certamente repetida. comer é definitivamente essencial à sobrevivência do ser.


mas porquê esta obsessão com as calorias? em regra geral, todas as espécies sofrem de escassez de comida. apenas o ser humano, com o seu intelecto, é capaz de produzir, a nível mundial, alimento suficiente para alimentar toda a espécie. a distribuição de toda esta produção é não uniforme e origina metade da população sobrenutrida e a outra metade mal nutrida, mas isso poderá ficar para um outro artigo. assim, a evolução dotou os seres com a capacidade de armazenarem energia consumida uma vez em excesso para uma necessidade futura na escassez de comida. isto é feito sob a forma de reservas de gordura no corpo do indivíduo.


a sociedade ocidental é aquela que recebe a maior fatia da produção alimentar mundial. com o objectivo do maior lucro possível, dado que é nestas regiões que se encontra a maior distribuição da riqueza, as marcas bombardeiam-nos com ideias sobre a necessidade de consumir os seus produtos constantemente. fazem-nos acreditar que são coisas saídas de sonhos e esquecemos todas e quaisquer consequências da alimentação excessiva. isto acontece até ao momento em que a necessidade de reprodução prevalece e instaura-se um sentimento de culpa. queremos continuar a alimentar o vício, sem os efeitos colaterais e é nessa altura que procuramos as versões light.


agora, vamos à parte interessante. um pouco de matemática ajuda a perceber a ideia central que me levou à escrita deste artigo. de acordo com a coca-cola(1), uma lata de 355 ml de coca-cola clássica possui 140 kcal e a mesma lata de coca-cola zero possui 0 kcal. isto representa uma densidade energética de 0.40 kcal/ml para a coca-cola clássica e de 0.00 kcal/ml para a coca-cola zero. sabendo(2) que uma lata de 33cl de coca-cola clássica custa 0.62 € e a mesma lata de coca-cola zero custa 0.59 €, dá a impressão de que é um bom negócio comprar o produto light. no entanto, o produto clássico oferece-nos energia e o produto light oferece o mesmo que a água, sem os benefícios extra desta e por um preço bem superior. com estes dados, temos 0.005 €/kcal para o primeiro caso e ∞ (infinito) €/kcal para o segundo caso.


em contexto da crise económica que atravessamos no nosso país e por toda a europa, o melhor será procurar os produtos que tenham a maior densidade de energia por um preço mais baixo. temos é de nos habituar a ingerir as mesmas calorias, o que implica uma dose reduzida desses alimentos altamente calóricos. a longo prazo, teremos um impacto positivo e significativo na carteira. por exemplo(3), o leite mimosa uht gordo apresenta 0.644 kcal/ml e o mesmo leite nas versões meio gordo e magro apresenta 0.468 kcal/ml e 0.348 kcal/ml, respectivamente. sabendo(2) que uma embalagem de 1 litro de leite gordo, meio gordo e magro custa, respectivamente, 0.73 €, 0.59€ e 0.65€, temos 0.0011 €/kcal para o leite gordo, 0.0013 €/kcal para o leite meio gordo e 0.0019 €/kcal para o leite magro.


a dose diária recomendada para um indivíduo adulto saudável é de 2000 kcal/dia. com os valores anteriores, se quiséssemos ingerir toda esse quantidade em leite mimosa uht, teríamos de gastar 2.27 €/dia em leite gordo, 2.52 €/dia em leite meio gordo ou 3.74 €/dia em leite magro. ao fim de um mês(4), estes valores traduzem-se em 68.0 €/mês, 75.6 €/mês e 112.1 €/mês, respectivamente. o melhor é mesmo comprar os artigos mais gordos que existem e ingerir uma quantidade inferior ao que estamos habituados, de modo a manter constante a quantidade de calorias a que estamos acostumados.


como bónus, para quem leu o artigo até ao fim, vou apresentar um conceito mítico: calorias negativas. o conceito é bastante simples, significa que o corpo gasta mais energia a processar a comida do que aquela que recebe da mesma. a verdade é que não há um único alimento que se insira nesta categoria. até a coca-cola zero tem um rendimento positivo. a única excepção é a água fria, isto porque a água contém 0 cal e o corpo tem de dispender energia para elevar a sua temperatura. por exemplo, beber um copo de água (240 gr.) a 4 ºC implica que o corpo tem de elevar esta temperatura até aos 37.5 ºC, a temperatura média do corpo humano, e o processo requer 8.04 kcal. contudo, seriam necessários 435 dos copos de água referidos anteriormente para perder cerca de 0.5 kg. não fiquem com ideias malucas e tenham cuidado com a intoxicação por água.


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(1) valores retirados no dia da publicação de Coca-Cola - Nutrition Connection.
(2) valores retirados no dia da publicação de Continente Online.
(3) valores retirados no dia da publicação de Mimosa.
(4) considerou-se um mês como um período consecutivo de 30 dias.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

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