o fotógrafo do passado (II)

em continuação do assunto que iniciei atrás, volto a falar do nosso fotógrafo do passado. já que falamos no fotógrafo, porque não referenciar a câmara fotográfica? desprezando as câmaras compactas (típicas point-and-shoot), penso ser seguro dizer que - das câmaras com controlo manual - as dslr são as mais comuns.

o processo típico que ocorre internamente numa dslr (ou slr) é o seguinte, após premir o botão que controla o obturador: 1. levantamento do espelho; 2. controle da abertura para o valor escolhido; 3. abertura do obturador, durante o tempo escolhido; 4. fecho do obturador; 5. retorno do espelho à posição anterior. todo este processo está longe de instantâneo e tem um tempo associado, que depende de câmara para câmara, a que chamarei atraso ao obturador.


no entanto, ainda antes de premir o obturador, tivemos de absorver a composição, processá-la no nosso cérebro e aprová-la. ao tempo decorrido entre a percepção da composição ideal e a reacção de disparar a câmara vou chamar de tempo de reacção humano.


agora que nos livrámos de introduções e explicações monótonas, podemos passar a coisas mais engraçadas. vamos a alguns valores típicos para as coisas que falei: o tempo de reacção humano(1) é de 0.215 segundos e o atraso ao obturador(2) é de 0.053 segundos para uma dslr de gama média. isto perfaz um total de 0.268 segundos entre a composição que escolhemos e a imagem que captámos.


ora, mas isso é mesmo insignificante! contudo, é aproximadamente igual a um tempo de exposição(3) de 1/4 segundos. quem costuma tirar algumas fotografias em modo manual acabou de perceber que afinal até é um valor considerável, uma vez que qualquer fotografia sem tripé vai ficar tremida quando se usa um tempo de exposição tão longo como este.


na grande maioria das ocasiões é realmente desprezável. contudo, como mencionei na primeira parte, tudo o que chega a nós é já passado. se estivermos a fotografar algo que aconteça a grande velocidade, como um desporto motorizado, atletas em competição, animais a voar ou correr, talvez dêmos pela discrepância uma vez ou outra.


a cheetah, um dos meus animais preferidos, consegue atingir velocidades de 120 km/h(4). isto significa que, durante os 0.268 segundos que separam a nossa composição da fotografia em si, uma cheetah em velocidade máxima percorreu 9 metros. neste caso, não só fotografámos o passado, mas fotografámos um passado diferente daquele que queríamos fotografar. vou parar por aqui e dar alguma liberdade para as imaginações voarem e filosofarem.

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(1) valores retirados no dia da publicação deste artigo do human benchmark.
(2) valor de uma nikon d300s retirado no dia da publicação da wikipédia.
(3) 1/4 = 0.25 segundos.
(4) 120 km/h = 33.3 m/s.

terça-feira, 12 de março de 2013

2 responses to o fotógrafo do passado (II)

  1. luís says:

    Se vamos falar de atrasos, e sem referir valores que não os sei, podemos divertimos-nos mais um pouco.

    A sala está escura, alguém liga a luz.
    Tome-se esse momento como o ponto zero. Depois daí, a luz terá de chegar aos nossos olhos, é curtíssimo, mas é tempo que decorre, e mais ainda para o nosso cérebro processar o que os nossos olhos viram. E ainda mais para esboçar uma reacção a essa acção. Enfim, tudo o que vemos é passado.

    O mundo pode já ter acabado, e nós sem saber.

    Gosto destas coisas e gosto que tenhas pegado na fotografia para nos trazeres para aqui.

  2. acho que absorveste plenamente o que quis transmitir com este pequeno artigo e ainda bem que te agucei a imaginação!

    a luz que nos chega do sol demora 8 minutos a percorrer o trajecto completo. o que significa que, se o sol fosse removido do seu lugar, nós só o saberíamos 8 minutos depois. continuaríamos a "ver" o sol durante esse intervalo, ainda que ele já não existisse.

    vou tentar colocar mais coisas assim, sempre com um toque de fotografia.

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